16/09/10
Primeiro Paragrafas – Martinho Deão
"Poucos anos mais velho que S., J. falava abundantemente e de forma convoluta, cada frase torneada individualmente e como que abstraída tanto das que a precediam como das que se lhe haviam de seguir, curvando-se nos extremos, desviando-se do rumo do discurso para miraculosamente o retomar no nem sempre óbvio núcleo de cada nova sentença, pelo que conversar com J. equivalia a encetar diálogo com uma daquelas recolhas de sabedoria popular que tudo misturam em capítulos encimados pela esclarecedora designação dos temas a tratar, como Amor ou Velhice – uma colecção de adágios e axiomas avulsos que alia ao provérbio chinês o aforismo de Schopenhauer e o paradoxo de Wilde, que junta ditos campesinos com máximas romanas e credos cristãos, que une slogans, lemas, refrões e verbetes numa amalgamada e malparida enciclopédia dos pobres; e nisto lembrava-lhe G., esse outro pedagogo da citação obscura e da alusão ininteligível."
DEÃO, Martinho, Primeiro Paragrafas, Guarda: Bosque Editora (1978)
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